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Quando buscamos o significado da palavra ecossistema encontramos: sistema que inclui os seres vivos e o ambiente com suas características físico-químicas e as inter-relações entre ambos. E o nosso ecossistema de inovação tem a ver com essa definição clássica da biologia?

Com certeza os ecossistemas de inovação que mais deram e dão certo no Brasil e no mundo são aqueles que combinam ambientes físicos apropriados com seres humanos, unindo diferentes experiências e conhecimentos multidisciplinares, governados por um propósito comum,  que se inter-relacionam.

O Saúde Digital Ecossistema foi até a Fundação Getúlio Vargas para falar com o professor Gilberto Sarfati.

Gilberto Sarfati é economista de formação mas hoje atua na área de ensino e consultoria em empreendedorismo.

 

Lorenzo Tomé:  Obrigado pela sua participação aqui no Saúde Digital. Queria que o senhor começasse se apresentando e falando um pouco do seu trabalho hoje em dia.

Gilberto Sarfati: Obrigado pela oportunidade de falar no saúde digital. Eu sou professor de empreendedorismo na FGV daqui de São Paulo, também coordenador do mestrado profissional em gestão para competitividade, a gente tem sete linhas entre os quais uma é gestão de saúde, é o maior mestrado profissional do Brasil,  e também sou gestor da aceleradora da GV  que chama GVentrues,

Lorenzo Tomé: O professor Gilberto vai falar um pouco sobre ecossistema de Startup no Brasil, ele tem estudado esse assunto aqui no Brasil. Eu começo te perguntando como você define uma Startup?

Gilberto Sarfati: Perfeito, essa é uma  excelente questão, porque o termo Startup está muito na moda e às vezes ele é usado de maneira incorreta. Startup é uma organização que tem alto potencial de crescimento, que está tentando identificar, validar o seu modelo de negócios. Então uma Startup deve ser uma organização que vai tentar crescer aceleradamente, é definido pelo OCDE crescer aceleradamente  pelo menos 20% ao ano no período de três anos e meio ou 42 meses, ou seja , na definição do CDE tem prazo de validade a Startup. Se depois dos quarenta e dois meses a Startup não se transformou numa empresa de médio ou grande porte ,  há  então uma  alta probabilidade que ela seja então para sempre uma pequena empresa. Então como consequência disso  uma empresa que tem 6 anos, 7 anos  falar que é uma Startup não tem o menor sentido. Porque esses quarenta e dois meses? Significa que nesse período a Startup está validando seu  modelo de negócio e fazendo então com que veja se tem uma aderência ao seu produto ou serviço no mercado. Grande parte não vai ter sucesso.  Então uma Startup, o sonho dela não é ser Startup, mas se tornar uma grande empresa

lorenzo Tomé: Então esse conceito de crescer rapidamente é um pouco do que o mercado fala de uma empresa escalável, podemos entender assim?

Gilberto Sarfati: Exato, ou seja, para uma empresa crescer aceleradamente, ela tem que ter um modelo de negócio escalável e replicável também. Então você imagina o seguinte, eu tenho uma pizzaria, uma pizzaria não é uma Startup porque o modelo dela não escala. Para eu ter mais pizzas sendo vendidas, provavelmente eu vou ter que abrir uma outra pizzaria e aliado a isso é um modelo de negócio facilmente copiável. Então uma Startup na verdade está tentando desenvolver um modelo de negócio onde seja difícil ter outros competidores.

Lorenzo Tomé:  Então a gente já definiu, uma das características da Startup: modelo escalável de negócio. Também podemos entender esse conceito como o crescimento físico de maneira progressiva, em progressão aritmética e o crescimento da receita em progressão  geométrica ou  exponencial. Assim podemos diferenciar do replicável. Uma pizzaria, uma franquia, é um modelo de negócio replicável mas a receita dificilmente vai crescer de maneira exponencial. Outra definição muito interessante é a  busca do melhor modelo de negócio. O empreendedor está fazendo uma atividade que é completamente nova, então é um processo de descoberta e validação. Nesse processo de validação e descobertas uns negócios vão dar errado e outros vão ter sucesso.

Avançando professor,  explica por favor o projeto mapa do empreendedorismo no Brasil.

Gilberto Sarfati: Você vai acessar www.mapadoempreendedorismo.com.br  e  ver o mapa sendo carregado, é o maior mapa de empreendedorismo do Brasil. É o modelo em que qualquer um que tiver um ponto associado ao mapa, ou seja, uma Startup, ou uma aceleradora, um parque tecnológico, entre outros pontos, lá ele pode se auto cadastrar. E o que nós fazemos aqui na GV,  é um processo de curadoria, exatamente para não fazer com que a pessoa que tem, por exemplo, uma pizzaria  tente entrar no mapa. Então a gente faz a curadoria para provar esse ponto. O mapa já tem praticamente mil pontos,  entre as diversas categorias. Há a categoria de Startup e no fundo o suporte do ecossistema empreendedor, o suporte pode ser entendido como entidades que apoiam ou estudam o mapa. Vale lembrar que  o mapeamento continua crescendo e tem seus objetivos. O primeiro é que o próprio ecossistema possa se enxergar e ver na verdade o quão grande ele é. O segundo objetivo é permitir que as pessoas fora do Brasil também possam ver o ecossistema brasileiro e ver quão desenvolvido ele está, para  permitir também trazer investimento internacional. O terceiro realmente é relacionado  ao estudo, ou seja, a gente usa o mapa para  entender mais sobre o próprio ecossistema empreendedor.

Lorenzo Tomé: Se a gente pudesse fazer um raio-x desse mapa do ecossistema brasileiro de Startup .Quais os pontos que o senhor destacaria?

Gilberto Sarfati:  Como tem diversas categorias, a gente pode abordar de formas muito distintas, mas em primeiro o que eu posso colocar é o efeito geográfico, conseguirmos entender quais sãos os pontos que tem a maior densidade do ecossistema. A densidade pode ser  entendida com a presença de maior número de atores no mesmo lugar. Por exemplo, se eu tenho um ponto no Brasil onde só aparece Startup e não tem os outros atores é um ponto menos denso, então o mapa já indica claramente que o ponto de maior densidade do ecossistema brasileiro está localizada numa região relativamente pequena da cidade de São Paulo. E aí a gente vai ver outros pontos também interessantes, pontos muito legais como na cidade de Porto Alegre. Vemos que a densidade do Rio de Janeiro não representa o potencial da própria cidade, talvez de certa forma  a violência seja uma explicação potencial para a gente não ter tantas Startup atuando no Rio de Janeiro. Então uma  das coisas que a gente tenta discutir aqui é o papel do empreendedorismo  no  desenvolvimento regional. Porque quanto mais atores, maior probabilidade de desenvolvimento daquela região

Loreno Tomé: Quando a gente fala Startup, a gente está falando de um negócio de alta incerteza, consequentemente alto risco para os investidores e para os empreendedores Por que são negócios novos que não existem modelos de comparação. Vamos falar um pouco do investimento. Define para a gente as fases de desenvolvimento de uma Startup que vai casar  com as fases de investimentos

Gilberto Sarfati: Essas fases do investimento inicial podem ser divididas em ideação, pré-seed, seed e growth.  Na ideação  é onde empreendedor ainda está formando o time, ele está se identificando como  empreendedor, nessa fase você apenas faz a validação da ideia, o mercado que compraria essa ideia, é a hora de gastar dinheiro sem fluxo de caixa positivo nenhum. No pré-seed a ideia ainda no fundo está em processo de validação, mas você vai entrar normalmente na prototipação, vai ter um protótipo do negócio seja físico ou virtual, nessa fase você começa a gerar uma receita, mas ainda continua com um caixa negativo. Na seed a  receita cresce aceleradamente, essa  fase  é caracterizada  pelo começo do crescimento da  empresa, ainda  você  pode ter  um  giro de caixa negativo, mas  as  receitas estão crescendo. No growth a receita cresce aceleradamente  e você vai ter o início  do descolamento em relação ao custo. E aí o elemento  da exponencialidade tem que aparecer,  principalmente no campo da receita, porque normalmente no growth você começa contratar muito funcionário e mesmo assim tem um descolamento de fluxo de caixa, tem um aumento grande de receita em relação as despesas. Sobre  esses estágios, que investidores atua em cada um deles ?

Eu vou começar pelo último, onde atuam os fundos de Venture Capital, onde entram em rodadas de investimento para permitir  que você contrate funcionários, gaste dinheiro para ser mais conhecido. Em várias rodadas você pode ter o que a gente chama series “A” “B” “C”. que referem-se ao tamanho do investimento. Então serie “A” no Brasil pode ser na faixa de 3 milhões a 5 milhões de reais,  uma serie “B” pode ser 10 milhões de reais e assim por diante. Já na fase anterior, o seed eu vejo mais presença de investidores anjos que são pessoas físicas, vejo também as aceleradoras atuando. Nas fases anteriores basicamente não tem investidor institucional e sim familiares e amigos.

Lorenzo Tomé:  Muito interessante essa classificação e vamos tentar caracterizar um pouco o perfil do investidor ao tomar a decisão nessas fases. A ideação e  pre-seed a gente viu  que é “Family” “Friends” and “Fools”,  caracterizada por  risco altíssimo e o potencial de retorno  muito incerto.  Exatamente por isso somente quem está muito envolvido com a equipe investe. Já na fase seed, os investidores avaliam principalmente duas coisas: Primeiro o tamanho do mercado que essa Startup ataca e segundo a equipe que compõe o negócio. E é nisso que eles investem, não necessariamente eles estão olhando um modelo de negócio, a ideia, mas  principalmente o tamanho de mercado e o time. Estou certo?

Gilberto Sarfati: As pesquisas acadêmicas a respeito disso são claras  sobre qualquer um desses estágios,  no early stage o primeiro ponto é um time, independente do negócio.  Então ser o negócio  bom ou ruim é uma questão paralela ao elemento time.

Lorenzo Tomé: Como você avalia agora o mercado brasileiro? Você acha que os investidores brasileiros têm esse nível de maturidade para entender que uma Startup funciona desta maneira,  entender esse tipo de mercado, esse tipo de investidor, ou  a gente ainda tem muito a aprender com países como Estados Unidos e Israel?

Gilberto Sarfati: As duas coisas,  como estou  há 20 anos nesse mercado, eu  vejo sempre uma perspectiva evolucionária.  Então praticamente a 15 ou 20 anos atrás o Venture Capital aonde eu comecei a carreira, investia em ideação, isso porque o mercado tinha  apenas cinco Venture Capital. O VC assumia um empreendedor, trazia  pra dentro e tentava fazer a coisa funcionar. Não existia claramente estágios. Então houve um processo de amadurecimento, até a gente chegar no momento em que a gente vive, inclusive o governo participou no passado através de um programa da Finep chamado Inovar para fomentar a indústria deVenture Capital no Brasil. Temos hoje cerca de 50 VC´s no Brasil então não é mais um mercado totalmente desprezível,  é um mercado que amadureceu, que tem experiência. Por outro lado é ainda um mercado incipiente quando comparado com outros países, são muito poucos casos de evolução para os estágios seguinte, então se olhar em um mercado como os Estados Unidos e Israel que você citou, a gente tem vários casos de empresas que vão fazer abertura de Capital na Bolsa de Valores, vão fazer o último estágio de desenvolvimento do Venture Capital.  Isso é importante porque os casos de abertura de Capital são bons para alimentar os casos futuros de sucesso. Por que é toda publicidade em volta, etc… Então a gente não tem nenhum caso de uma empresa que é uma Startup e passou por investimento de Venture Capital e que fez abertura de Capital aqui no Brasil na Bolsa de Valores. Ainda      esperamos para ver acontecer. Temos sim o caso  de abertura fora do Brasil, primeiro caso é o da Netshoes, é extremamente positivo mas é muito pouco ainda em comparação a um país muito pequeno como o caso de Israel, que tem diversos casos de sucesso. Então temos ainda  um grande caminho a ser trilhado mas estamos muito melhor que antes, evoluímos!

Lorenzo Tomé: Você citou  IsraeL, a gente sabe que Israel é hoje conhecida coma a “Startup Nation” e o senhor teve uma experiência lá, fez seu mestrado em Israel. Quais são as peculiaridades que potencializam essa nação, que não é tão grande geograficamente?

Gilberto Sarfati: Israel é um país com 18 milhões de habitantes hoje, é um mercado muito pequeno, então um empreendimento que começa em Israel,  uma Startup nunca tá olhando só para o mercado nacional.  Então a mentalidade é de internacionalização, assim que abre a empresa, isso por sinal é uma diferença bastante significativa ainda em relação ao mercado brasileiro, por que o empreendedor brasileiro não tem mentalidade de olhar um negócio do ponto de vista Global. O negócio é uma solução que atende algo no Brasil, é uma demanda do Brasil e não o negócio que ele abre desde o primeiro dia para ser negócio global.  Na verdade o fato de Israel ser pequeno favorece esse elemento de uma mentalidade global.  Mas temos países pequenos  que  não tem esse ecossistema empreendedor. Tem um outro ponto importante que não é tão bem desenvolvido aqui no Brasil, que é o número de Startups, os fundos cresceram em Israel porque tinha muitas Startups, continua tendo muitas , então o número  de Startup no Brasil é muito reduzido e se deve a uma mentalidade mal desenvolvida do empreendedor, especialmente em áreas que seriam importantes, cruciais, áreas ligadas a tecnologia. Estou falando de quem está fazendo engenharia, matemática, inclusive também medicina.

Lorenzo Tomé: Entendemos aqui no Saúde Digital que o médico, por conhecer uma área tão específica, é capaz de prover soluções inovadoras para esse ecossistema e transformar a  saúde. Alertamos  para a necessidade do médico e do profissional de saúde ter um olhar abrangente, no sentido de buscar inovar, ter uma visão não só da árvore mas também de toda a Floresta. E com essa sua entrevista , enquanto medicos e profissionais de saúde, entendemos melhor como podemos evoluir nesse raciocínio. Muito Obrigado pelos esclarecimentos!

Gilberto Sarfati: Obrigado você!

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