2021 Inovações nas especialidades: Genética Médica
Por Augusto Gaidukas
Colunista Convidado. Estuda medicina e quer transfomá-la através do conhecimento e da tecnologia.
O que é genética médica?
A genética médica é uma especialidade médica devidamente regulamentada pelo CFM, e sua área de atuação consiste em estudar doenças congênitas de repercussão sistêmica (como a síndrome de Down) e alterações genéticas que cursem em doenças de toda natureza, desde o diabetes até o câncer.
A genética trabalha em grande parte conversando com outras especialidades, como a oncologia, a neurologia, a pediatria e a medicina fetal; mas também possui seus campos próprios de atuação, como a genética clínica e o estudo de doenças sindrômicas congênitas ou adquiridas, cujo tratamento é orquestrado pelo médico geneticista.
E a importância da genética apenas cresce ano após ano. Com a transição epidemiológica da população, associada a gravidezes cada vez mais tardias (muitas mulheres, com a independência financeira e de carreira, têm filhos apenas com 35 anos ou mais, o que já caracteriza idade materna avançada) e a exposição ambiental a antígenos e tóxicos de toda natureza, desde o estrógeno na água até agentes alquilantes ou metilantes ambientes, assim como a radiação ionizante do sol têm fadado o ser humano a alterações genéticas, hereditárias ou não, que têm pavimentado o futuro da medicina na direção do DNA.
Junto da imunologia e da hematologia, a genética médica vale-se da medicina translacional, e combina, a todo tempo, o laboratório e novas descobertas ao consultório — uma vez que semanas de precocidade numa terapia-alvo genética podem salvar a vida de um paciente, como no caso de erros inatos do metabolismo, que veremos adiante neste artigo.
Com a farmacoeconomia promovida pelos testes de triagem genética, que pouparão intervenções cirúrgicas e tratamentos quimio ou imunoterápicos no futuro — um exemplo disso é a pesquisa do gene RET, do carcinoma anaplásico de tireoide, que, quando bem aplicado, economiza até 100 mil reais de um tratamento oncológico de tireoide –, muito em breve estaremos triando doenças com testes de painel genético assim como pedimos função renal e perfil lipídico para estratificarmos risco cardiovascular. A genética não é assunto do geneticista, mas do médico. Fique atento a isso, e mantenha-se atualizado. Vem com a gente!
2021 Inovações nas especialidades: Genética Médica – Um bilhão de pares de bases
Desde o advento da reação em cadeia da polimerase, que transformou nossos genes em matéria prima para estudo, permitindo os avanços logarítmicos que a genética tem tido nos últimos anos — do sequenciamento do genoma humano ao SARS-CoV 2 –, muita coisa mudou: de protocolos meramente experimentais a diagnóstico acessível ao paciente, os estudos genéticos estão cada vez mais disseminados e fazem parte já da rotina de muitos médicos, desde um ginecologista que genotipa o HPV do colo do útero de sua paciente ao imunologista que pesquisa uma imunodeficiência combinada severa numa criança com infecções de repetição.
Mesmo que pareça uma sopa de letrinhas, incognoscível ao geneticista do mais versado, o big data já resolveu esse tipo de problema e adicionou mais coisas ao estudo genético. Bancos de dados em biologia molecular, cruzamento de informações, descobrimento de graus de parentesco distante — o que evitaria doenças que se repetem em determinadas populações ou mesmo em famílias, como a fibrose cística –, diagnóstico embriológico — e não fetal tardio — de cromossomopatias e descobrimento de cânceres com tumores radiologicamente indetectáveis, a genética médica eleva o patamar da medicina humana a um potencial que nem os criadores de emplastros poderiam ter imaginado.
A genética por si só não é capaz de explicar certas doenças multifatoriais, como o câncer e o diabetes ou a dislipidemia, mas pequenas alterações em genomas conhecidos pode levar a grandes mudanças de desfecho — como o silenciamento de um proto-oncogene, por exemplo.
2021 Inovações nas especialidades: Genética Médica – Áreas de atuação
A genética tem múltiplas áreas de atuação atualmente, sobre as quais recaem-se as principais linhas de estudo e profissionais do médico geneticista, quase sempre em diálogo com outras especialidades médicas e com o internista. Você irá notar que os subcampos da genética fazem parte do seu dia-a-dia, e que você se beneficiaria muito se os aliasse à sua prática.
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- Genética geral: é compreender as doenças e suas bases genéticas. É o HLA-B27 da espondilite anquilosante, o p53 da síndrome de Li-Fraumeni e o NIDDM1 do diabetes tipo 2. Todo distúrbio no organismo humano possui base genética (não necessariamente uma mutação), mas doenças puramente genéticas são um grupo seleto delas (como a acondroplasia).
- Oncogenética: o nome é autoexplicativo. A oncogenética estuda as bases moleculares e etiogenéticas das neoplasias. Toda neoplasia é uma mutação de alguma região promotora ou supressora de multiplicação celular. Para alguns, o santo graal da oncologia está na terapia gênica, de forma que, se mutações causam a doença, o silenciamento erradicariam tal doença. É um dos campos mais interessantes, expressivos e crescentes da genética, e a próxima fronteira da oncologia. Adeus, quimioterápicos!! Queda de cabelo, nunca mais.
- Neurogenética: doenças como autismo, retardo do desenvolvimento neuropsicomotor endógeno, epilepsia, Alzheimer e Parkinson e a genética do envelhecimento neurológico são estudadas aqui. A neurogenética é campo complexo e é um terreno habitado apenas por neuros (clínicos e cirurgiões) e geneticistas, mas sua crescente importância para a pediatria, a geriatria e mesmo a medicina interna têm trazido a neurogenética para a mesa de congressos e lousas de universidades. Ainda, a neurogenética explicita o desenvolvimento neural intra-útero, sendo objeto de medicina preventiva para fetologistas e demais profissionais que estudem o desenvolvimento cerebral humano.
- Erros inatos do metabolismo: se você gostava de bioquímica na graduação, eu trago-lhe um campo que atua quase que somente com ela. A metabologia genética dedica-se a doenças do metabolismo celular a nível molecular, tendo como alvo enzimas, proteínas, rotas bioquímicas e as doenças causadas por defeitos nessas vias. Doenças como a galactosemia, a fenilcetonúria, a homocistinúria e o próprio Alzheimer (de forma mista) são erros inatos do metabolismo, doenças cuja causa são reações químicas que dão errado.
- Farmacogenética: porque o captopril em alguns indivíduos não funciona, mas em outros causa hipotensão? De que forma os anti-retrovirais agem diferentemente para a mesma cepa de HIV em indivíduos distintos? É a isso que se propõe resolver a farmacogenética: ela detalha a forma que os genes determinarão a farmacocinética e a farmacodinâmica das drogas no organismo do paciente. Mutações da família do citocromo CYP2C, por exemplo, alteram a meia-vida e a concentração de drogas antiepilépticas, por exemplo.
No meu consultório
No ensino médico atual, a biologia molecular é uma cadeira como a anatomia e a histologia, e a genética clínica é ensinada em paralelo a especialidades como cardiologia e cirurgia. A nova geração de médicos já é alfabetizada em genética; e, cada vez mais, os genes serão alvos diagnósticos e terapêuticos, de forma irreversível. Se a terceira revolução médica foi a digital, a quarta será genética. Quem surfar nessa onda, chegará mais cedo na praia.
Literatura sugerida
Roderick R. McInnes, Huntington F Willard, Robert Nussbaum. Thompson & Thompson. Elsevier Editora Ltda, 2016.
Benjamin Pierce. Genética – Um Enfoque Conceitual. 5ª Ed: Guanabara Koogan, 2016.
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