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A inteligência artificial vem dominando o cenário da saúde digital no Brasil e no mundo. Afinal, ela promete uma maior assertividade e produtividade na medicina. Já vimos em outros posts que ela vem sendo testada em algoritmos de tomada de decisão clínica.

Uma outra aplicação, mais complexa, é a utilização de softwares inteligentes para diagnóstico de imagem. Eles envolvem algoritmos muito mais complexos e com uma implementação muito mais complexa/sofisticada. Para entendê-las, vamos precisar entender alguns conceitos mais técnicos de IA. Está preparado(a)? Acompanhe!

Quais são os tipos de aprendizagem de máquina?

Para entender as aplicações da inteligência artificial na medicina, precisamos antes rever alguns conceitos básicos sobre os diferentes tipos de IA:

Aprendizagem supervisionada

O aprendizado do robô é guiado por uma pessoa que o treina do início ao fim. Inicialmente, o algoritmo do computador tem apenas a capacidade de aprender com base em parâmetros prévios gerais, que foram estabelecidos pelos criadores do programa.

No entanto, assim como uma criança precisa entrar em contato com a linguagem para aprender a falar, a aprendizagem supervisionada demanda que o robô afine seu mecanismo inato com dados reais. Uma das técnicas de treinamento consiste em uma pessoa classificar ou dizer quais inferências feitas pelo PC são certas ou erradas. 

Essa é a técnica mais utilizada em softwares para análise de exames de imagem:

  • o robô é criado com algoritmos de análise de imagens (identificação de pixels);
  • ele é alimentado com bancos de dado com milhares de imagens;
  • se o robô já tiver, em seu algoritmo, instruções para correlacionar achados da imagem com entidades clínicos, o trabalho do treinador será apenas inserir quais inferências estão corretas ou erradas;
  • se o robô não contar com essa capacidade plena, grande parte do treinamento vai ser o radiologista analisar cada imagem, marcar locais de interesse e inserir seus diagnósticos de imagem para cada marcação. 

À medida que mais exemplos são inseridos, o robô ganha mais autonomia para fazer sua análise. Então, ele é lançado ao mercado quando a taxa de acertos foi significativamente relevante e igual ou superior à de um analista humano). 

Aprendizado não-supervisionado

Esse é o tipo de aprendizado mais complexo, visto que o robô não recebe nenhuma instrução fora de seu algoritmo. Portanto, ele precisa identificar sozinho os padrões dos dados que foram inseridos.

Em nenhum momento, o sistema receberá alguma instrução, como certo ou errado. Esse é o caso típico de softwares de clusterização, isto é, de agrupamento de dados. Afinal, o objetivo deles é justamente encontrar padrões invisíveis para a mente humana. Então, treinar “corromperia” o objetivo do seu trabalho.

Esse tipo de aprendizado de máquina pode ser utilizado para:

  • classificação de grupos de risco;
  • diagnósticos de saúde populacional;
  • previsão comportamental humana, entre outras possibilidades.

Aprendizado semi-supervisionado

Aqui, a inteligência artificial recebe dados rotulados e não-rotulados simultaneamente. Essa técnica é utilizada para reduzir os custos com treinamento de robô, que envolve a rotulagem e alimentação com um volume muito grande de dados.

Para resolver esse problema, pode-se alimentar o sistema com uma quantidade mínima de dados rotulados e esperar que ele classifique os demais corretamente. Durante esse processo, a revisão humana periódica dos resultados pode ser útil para afinar o aprendizado da máquina.

Aprendizado por reforço

Você se lembra dos experimentos de Pavlov? Neles, um cão foi colocado em observação para verificar as relações entre os estímulos e os reflexos. Então, toda vez que ele recebia alimento, uma campainha tocava. Depois disso, media-se a salivação dele. Com o tempo, seu cérebro passou a associar a campainha com o alimento. Consequentemente, ele salivava mesmo quando ela tocava, mas a ração não vinha. 

O objetivo da aprendizagem por reforço é simular esse tipo de situação na máquina. Ela é desenvolvida com um algoritmo de otimização matemático, no qual ela testa várias possibilidades de ação com relação aos dados de entrada.

Se ela atingir os patamares de eficiência exigidos pelo algoritmo, ela recebe um reforço positivo para manter aquele caminho de interpretação dos dados. Se ela realiza alguma tarefa de forma errônea ou pouco eficaz, ela recebe um reforço negativo. 

Inclusive, há redes computacionais neuromórficas que simulam esse processo. Elas funcionam da seguinte forma:

  • esse tipo de máquina contém componentes que têm a capacidade de mudar suas características elétricas. Por exemplo, podem se tornar mais ou menos condutoras de acordo com condições prévias;
  • então, é possível configurar que esse componente receba correntes de feedback de outro dispositivo. Essas correntes mudam as características elétricas do material. Se um “caminho” levou ao objetivo desejado, ela ganha um reforço positivo e aumenta sua condução.

Esse tipo de inteligência artificial busca simular o aprendizado do cérebro humano. 

Aplicações da IA na cardiologia

Esta revisão bibliográfica envolveu a análise de mais de 12 artigos sobre a aplicação da inteligência artificial para a interpretação de ecocardiogramas. Os principais resultados estão resumidos na tabela a seguir:

 

Ano do estudo Objetivo da IA no Estudo Modelo utilizado Sensibilidade/Especificidade/Acurácia
2008 Quantificação de anormalidades de movimento da parede Aprendizagem supervisionada –/–/84.17%
2011 Quantificação de anormalidades de movimento da parede Aprendizagem não supervisionada –/–/93.02%
2013 Detecção automatizada da borda LV Aprendizagem não supervisionada –/–/90.09%
2016 Classificação/discriminação de padrões patológicos (HCM vs ATH) Aprendizagem por reforço + aprendizagem não-supervisionada 96%/77%/–
2016 Classificação/discriminação de padrões patológicos (RCM vs CP) Aprendizagem não supervisionada –/–/93.7%
2016 Quantificação de MR Aprendizagem não supervisionada 99.38%/99.63%/99.45%
2017 Reconhecimento/classificação de vistas apicais Aprendizagem supervisionada –/–/95%
2017 Avaliação da velocidade miocárdica Aprendizagem não supervisionada Avg 73.25%/78.4%/–
2018 Reconhecer 15 visualizações de ecocardiografia Aprendizado por reforço –/–/91.7%
2018 Quantificação de anormalidades de movimento da parede Aprendizado por reforço 96.12%/96%/96.05%
2018 Quantificação de anormalidades de movimento da parede Aprendizado por reforço 81.1%/65.4%/75%

 

Apesar de o estudo não ter estabelecido estatisticamente uma comparação entre as técnicas, não parece haver superioridade entre os tipos de IA em relação à capacidade diagnóstica.

Todos esses dados nos mostram o grande protagonismo da inteligência artificial na cardiologia e na medicina como um todo. Como não cansamos de dizer, o futuro da saúde também é digital e o médico não será substituído por ela. No entanto, ele vai precisar se renovar para atender as demandas dos novos tempos. Quanto antes você conquistar a fluência nessa área, maior o seu diferencial.

 

Autores:

Ricardo Tadeu de Carvalho, médico, especializado em produção de conteúdo para a área da saúde. Colunista no Saúde Digital Ecossistema. CEO do RT Marketing Médico.

Lorenzo Tomé, médico, host do podcast Saúde Digital. CEO do Saúde Digital Ecossistema.