Colegas médicos, vocês já pararam para pensar no panorama das residências médicas brasileiras? Onde os programas estão concentrados? Quantos residentes há em cada Estado? Todas essas perguntas refletirão em como o futuro da medicina especializada se desenha.
Em 1944, surgiu o primeiro programa de residência brasileiro, focado em ortopedia e oferecido pelo Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo. Apenas em 1948, ele foi replicado no Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro. Entretanto, foi apenas na década de 1960 que esse modelo de formação médica se expandiu pelo Brasil.
Desde então, é provável que todos os médicos venham ouvindo o mesmo sermão dos professores: não há vagas de residência para todos os médicos e somente especialistas têm uma boa carreira.
Talvez seja surpreendente para alguns colegas, mas você sabia que até um terço das bolsas autorizadas para programas de residência ficam ociosas? Das 56.255 vagas autorizadas em 2019, apenas 40.333 foram ocupadas. No entanto, há localidades em que as vagas são completamente preenchidas e, em outras, até 50% delas não recebem interesse. Com isso, a taxa de ociosidade média no Brasil é de 29,3%.
Em 2019, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) realizou um estudo sobre a distribuição geográfica das residências médicas brasileiras. Vamos discuti-lo a seguir!
O resultado é surpreendente. Acompanhe!
Distribuição regional dos programas de residência médica
De acordo com o estudo Recorte Demográfico da Residência Médica Brasileira em 2019
- Nordeste — 46 de 1796 (3%);
- Sudeste — 123 de 1668 (7%);
- Sul — 55 de 1191 (5%);
- Centro-Oeste — 12 de 467 (2%);
- Norte — 16 de 450 (4%).
Quando se analisa as disparidades em relação ao número de vagas, temos o seguinte cenário:
- Apenas 4 estados (Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul) contam com um número de bolsas de residência superior a 4000;
- 3 estados contam com 2001 a 4000 bolsas de residência disponíveis anualmente (Paraná, Bahia e Pernambuco);
- 3 estados (Goiás, Santa Catarina e Ceará) e o Distrito Federal têm entre 1001 e 2000 bolsas disponíveis.
Ou seja, 16 estados brasileiros têm menos de 1000 bolsas de residência disponíveis. Isso faz com que o número de médicos residentes no Distrito Federal seja de 43,7 por cada 100.000 habitantes, enquanto o Maranhão seja de apenas 3,9. Em termos relativos, são 11,2 vezes mais residentes no DF.
No entanto, outro dado é ainda mais alarmante: as bolsas de residência ficam principalmente nos Estados com maior carência de programas. Além de poucas bolsas autorizadas, uma significativa proporção das vagas não é ocupada por nenhum médico.
Veja o mapa a seguir:
O que isso significa?
Em todas as regiões, há um mesmo gargalo: os programas de residência médica estão concentrados em poucas cidades. A maioria das bolsas são autorizadas em centros urbanos com maior infraestrutura.
Do ponto de vista logístico-econômico, esse é um dado esperado. É inevitável que haja uma maior demanda em grandes cidades. Ali, estão os hospitais com maior infraestrutura e eles trazem algumas vantagens muito visadas por médicos:
- Infraestruturas tecnológicas e hospitalares mais avançadas;
- Renome das instituições;
- Maior número e diversidade de casos;
- Infraestrutura tecnológica mais complexa;
- Preceptoria de grandes nomes.
No entanto, quando pensamos em saúde e na falta de equidade de acesso, esse dado deveria gerar uma inquietação maior.
Afinal, os residentes terão acesso a um perfil muito restrito de comunidade e tenderão a permanecer onde se formam. As demandas de saúde em cidades menos populosas sofrem um grande risco de ficarem desatendidas. Isso ocorrerá não apenas pela falta de médicos especializados, mas também porque os especialistas não se formaram para atender a uma maior diversidade locorregional.
O que fazer diante desse cenário?
Pelo que temos visto, os programas de residência médica ainda não incorporaram a telemedicina em sua prática. Nem mesmo nos grandes centros. A despeito do avanço da tecnologia digital, em grande parte, o modelo assistencial das residências médicas ainda permanece muito parecido com os dos primeiros programas lá na década de 1940.
Quando muito, houve apenas a implementação de prontuários eletrônicos com sistemas antiquados que não trazem as inovações da transformação digital (inteligência artificial, internet das coisas, computação em nuvem, entre outros.
Por tudo que vimos até aqui, há também uma grande lacuna na formação dos especialistas dos grandes centros. Afinal, eles certamente utilizarão a telemedicina na sua prática diária e algumas habilidades clínicas no mundo físico são diferentes das do mundo digital.
Portanto, eles não vêm aprendendo a lidar com os diferentes perfis de pacientes brasileiros nem estão adquirindo habilidades médicas que refletem a sociedade atual.
Com exceção da oferta de bolsas de residências de maior valor nos programas que ficam com vagas ociosas, não há muitas medidas que podem ser tomadas para aliviar a ociosidade em pequenas e médias cidades.
Contudo, a disparidade de acesso à saúde especializada pode ser amenizada com a oferta de telemedicina pelos programas de residência das grandes cidades. Assim, residentes podem aprender as habilidades necessárias para o mundo digital e se familiarizar com as demandas de saúde de zonas rurais ou municípios menores.
Os pacientes, por sua vez, terão o benefício de acesso a profissionais especializados de excelência. Com esse contato, quem sabe muitos residentes não ficarão mais motivados a atuar fora das grandes cidades, reduzindo a concentração de especialistas nas metrópoles?
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