Neste post, vamos continuar a nossa análise sobre a Resolução Resolução CFM nº 2.314/22. Vamos falar sobre os 4 artigos mais densos em informação dessa normativa, os quais nortearam grande parte da sua prática nas teleconsultas e em outras modalidades da telemedicina.
Acompanhe!
Art. 4º Ao médico é assegurada a autonomia de decidir se utiliza ou recusa a telemedicina, indicando o atendimento presencial sempre que entender necessário. §
Esse é um dos mais importantes artigos de toda a Resolução, esclarecendo uma dúvida que muitos médicos tinham antes dela.
Um convênio/empresa/instituição pode impedir o médico de atender por telemedicina? Ou o contrário, pode obrigá-lo a atender nessa modalidade? A resposta é não!
O médico tem a autonomia legal para decidir qual a modalidade de atendimento que deseja indicar a seus pacientes. Então, assim como tem liberdade para definir sua prescrição terapêutica, o profissional também pode definir o meio de comunicação mais benéfico para o seu paciente.
No entanto, ele precisa sempre resguardar a segurança do paciente, que deve ser colocado em primeiro lugar. Então, é fundamental garantir um tempo de consulta adequado e realizar o exame físico dentro do que é possível na telemedicina.
Ele também deve usar seu julgamento clínico para indicar uma consulta presencial ao paciente sempre que necessário. Esse ponto é esclarecido com mais detalhes nos parárafos do artigo.
1º A autonomia médica está limitada à beneficência e à não maleficência do paciente, em consonância com os preceitos éticos e legais.
Este parágrafo somente esclarece um dever que é obrigatório ao médico em qualquer modalidade de exercício da medicina, presencial ou digital. Todos os nossos atos profissionais devem buscar a otimização dos benefícios em face aos riscos:
O princípio da não-maleficência está relacionado com o brocado latino “Primum non nocere”, “Acima de tudo, não causar danos”, que é inspirado nas obras de Hipócrates. Em primeiro plano, isso significa não adotar intencionalmente alguma conduta que pode prejudicar o paciente. Ou seja, adotar uma prática dolosa, a qual pode também ser punida na esfera criminal como lesão corporal, por exemplo.
No entanto, qualquer médico sabe que podemos prejudicar o paciente quando somos devido à:
- negligência, que é deixar de adotar uma conduta que seria razoavelmente esperada para uma situação. Na telemedicina, por exemplo, isso pode acontecer quando um paciente com insuficiência cardíaca apresenta várias descompensações, mas não é chamado para um exame físico pelo médico assistente que faz o acompanhamento longitudinal da saúde;
- à imprudência, o qual é a falta de adoção dos cuidados necessários para garantir a segurança e a lisura de um ato médico. Ou seja, mesmo diante de um risco elevado, o médico adota condutas que podem comprometer a saúde e o bem-estar do paciente. Um exemplo da telemedicina é deixar de encaminhar à urgência um paciente que esteja com sinais de alerta;
- à imperícia, que é praticar atos médicos sem estar devidamente treinado ou capacitado para tal. Por isso, é muito importante que os colegas médicos se preparam e se qualifiquem para atender na telemedicina. Não basta ter um equipamento para fazer chamadas de vídeo com os pacientes. É preciso saber quais técnicas são mais adequadas e adquirir as competências para a excelência das teleconsultas. Na comunidade do Saúde Digital, o colega médico pode acessar gratuitamente os cursos de fluência digital e de telemedicina.
§ 2º A autonomia médica está diretamente relacionada à responsabilidade pelo ato médico.
A preocupação do CFM com a prática adequada da telemedicina é tamanha que a entidade está explicitando informações que todo o médico deveria A autonomia está intimamente ligada com a responsabilidade civil, penal, administrativa e ética do médico.
Ele tem, sim, liberdade para adotar condutas sem qualquer interferência externa (desde que cumpra a legislação e a regulamentação da profissão). No entanto, se houver qualquer prejuízo para o paciente, o médico pode ser responsabilizado nas mais diversas esferas. É aquela máxima famosa dos quadrinhos: “Com grandes poderes, vêm grandes responsabilidades”.
§ 3º O médico, ao atender por telemedicina, deve proporcionar linha de cuidados ao paciente, visando a sua segurança e a qualidade da assistência, indicando o atendimento presencial na evidência de riscos.
Então, na telemedicina, devemos utilizar nosso raciocínio clínico para determinar quando é melhor uma teleconsulta e quando é melhor uma consulta presencial. Também devemos nos cuidar para que todos os meios que utilizamos para a telemedicina sejam seguros para o paciente e garantam a sua privacidade .
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Art. 5º A telemedicina pode ser exercida nas seguintes modalidades de teleatendimentos médicos: I) Teleconsulta; II) Teleinterconsulta; III) Telediagnóstico; IV) Telecirurgia; V) Telemonitoramento ou televigilância; VI) Teletriagem; VII) Teleconsultoria.
O CFM indica expressamente que as seguintes modalidades de telemedicina estão permitidas:
- I) Teleconsulta — é o atendimento do paciente que inclui desde a anamnese até a indicação de uma conduta diagnóstico-terapêutica;
- II) Teleinterconsulta — é o aconselhamento de um caso específico de um paciente entre dois médicos. É uma consulta entre profissionais de caráter técnico, o que que traz a responsabilidade ética do médico consultado. É diferente de discussões de casos genéricos que acontecem em ambientes educacionais, como o SD Conecta. Nelas, o objetivo é o aprimoramento da carreira, não uma assistência técnica às suas condutas;
III) Telediagnóstico — é o diagnóstico por exames complementares com emissão de laudos e outros documentos técnicos;
- IV) Telecirurgia — é a prática da cirurgia à distância, em que um dos cirurgiões está manipulando instrumentos fora do local onde ocorre o procedimento;
- V) Telemonitoramento ou televigilância — são ações para monitorar pacientes ou a saúde coletiva por meio da assistência de tecnologias de informação;
- VI) Teletriagem — é a avaliação de risco de um paciente e a coordenação do seu fluxo em uma rede de saúde;
VII) Teleconsultoria — abrange a elaboração de pareceres técnicos, avaliações e auditorais à distância.
No entanto, não sabemos ainda se esse é um rol exemplicativo ou restritivo. Acreditamos que possivelmente seja exemplificativo, visto que modalidades de baixíssimo risco para os pacientes (como a telepesquisa, telegestão e a tele-educação médica) não foram inclusas.
Nos artigos seguintes o CFM explica melhor o conceito de cada uma dessas modalidades, as regras e as limitações para a sua prática. Neste artigo, vamos falar sobre as teleconsultas, um assunto fundamental para médicos de todas as especialidades.
No post da semana que vem, que será o último desta série, traremos informações sobre as outras modalidades e as disposições finais da Resolução a respeito da telemedicina.
Art. 6º A TELECONSULTA é a consulta médica não presencial, mediada por TDICs, com médico e paciente localizados em diferentes espaços.
O artigo 6º traz uma definição direta e simples: se o paciente está em uma consulta fora e não está no mesmo ambiente que o médico, o profissional está praticando teleconsulta.
§ 1º A consulta presencial é o padrão ouro de referência para as consultas médicas, sendo a telemedicina ato complementar.
A consulta presencial é realmente muito importante para diversas condições, pois permite um exame físico mais detalhado. Ao dizer que ela é o padrão-ouro, o CFM está dizendo que deve ser preferida pelo médico. Mas até que ponto isso está amparado em fatos e evidências? É um cuidado ou é um anacronismo do CFM?
Entendemos que o CFM quer resguardar um cuidado de qualidade, mas precisamos discutir criticamente as suas regras. Algumas evidências científicas já mostraram que a telemedicina pode ser mais benéfica ou igual ao tratamento usual em alguns conceitos. No entanto, aqui, cabe uma discussão importante: por que a consulta presencial é considerada intrinsecamente superior?
Vamos a um exemplo simples! O que é melhor? Uma consulta presencial de 5 minutos ou uma teleconsulta de 1 hora? A consulta padrão-ouro não deveria depender do meio. Entendemos a grande preocupação do CFM e ela se justifica.
Nossa reflexão é deixada para você, colega médico: não é apenas o meio de comunicação, mas é a sua postura que determina a qualidade de uma consulta, não é mesmo? Precisamos abandonar esse preconceito com o médico que está na telemedicina, como se ele fosse alguém que estivesse oferecendo menos ao paciente. Não é! Há médicos excelentes e ruins, há consultas excelentes e ruins, em qualquer modalidade de exercício da nossa profissão.
§ 2º Nos atendimentos de doenças crônicas ou doenças que requeiram acompanhamento por longo tempo deve ser realizada consulta presencial, com o médico assistente do paciente, em intervalos não superiores a 180 dias.
Aqui, temos um critério simples e claro: em cuidados crônicos, o intervalo entre consultas presenciais não deve ser maior do que 6 meses.
§ 3º O estabelecimento de relação médico-paciente pode ser realizado de modo virtual, em primeira consulta, desde que atenda às condições físicas e técnicas dispostas nesta resolução, obedecendo às boas práticas médicas, devendo dar seguimento ao acompanhamento com consulta médica presencial.
A primeira teleconsulta pode ser, sim, por teleconsulta (ao contrário do que a direção do CFM manifestou em audiências públicas prévias à resolução). Para isso, o médico precisa cumprir os critérios de qualidade trazidos pela resolução.
O seguimento, no entanto, deve incluir uma consulta presencial caso o médico continue a acompanhar o paciente. Apesar de o intervalo não ser claro, acreditamos que o seguimento deve ser realizado dentro dos 180 dias do parágrafo anterior.
§ 4º O médico deverá informar ao paciente as limitações inerentes ao uso da teleconsulta, em razão da impossibilidade de realização de exame físico completo, podendo o médico solicitar a presença do paciente para finalizá-la.
Aqui, é interessante manter a prática de fazer um termo de consentimento livre e esclarecido sobre algumas limitações da telemedicina. Caso julgue necessário, a seu critério, o médico pode convocar o paciente para uma consulta presencial.
Por tudo que vimos, a prática da telemedicina exige uma grande responsabilidade. Por isso, você precisa se preparar. Na comunidade Saúde Digital, você pode acessar várias aulas gratuitas e discutir alguns temas com seus colegas. Já, na próxima semana, trazemos o último post desta série sobre a telemedicina!