Escolha uma Página

Usando RNA contra o vírus: entenda a vacina da COVID-19

Por Augusto Gaidukas

Colunista Convidado. Estuda medicina e quer transfomá-la através do conhecimento e da tecnologia.

Usando RNA contra o vírus: entenda a vacina da COVID-19 – Você provavelmente viu na faculdade, seja nas aulas de imunologia ou de pediatria, como funcionam as imunizações e vacinas. Antígenos, anticorpos e imunocomplexos fazem parte do seu vocabulário, e você decorou desde o macrófago apresentando o invasor ao linfócito até o plasmócito produzindo um anticorpo neutralizante contra ele. 

Onde a genética entra nisso? E como pode um RNA exógeno proteger o organismo do vírus? É o que descobriremos hoje. 

Usando RNA contra o vírus: entenda a vacina da COVID-19 – Pequenas moléculas, grande importância

O RNA mensageiro (mRNA) é um polímero de fita simples, transcriptado do DNA, de forma a codificar um gene através de sua fita complementar (no caso, o RNA transportador — tRNA) e que, no ribossomo, levará à síntese organizada e correta de uma nova molécula proteica.

Essas proteínas, que vão de aminoácidos à titina, a maior proteína do organismo humano, em condições fisiológicas, fazem parte do metabolismo e homeostase do organismo, controlando funções vitais em rotas genéticas, hormonais, neurológicas e reprodutivas. 

Como todo ser vivo é portador de material genético, os vírus, que têm sido objeto de interesse desde sua descoberta nos anos 1890, também possuem um DNA (ou RNA, ou os dois) que também produzem proteínas, sejam estruturais ou de seu metabolismo, tais como o gene da transcriptase reversa, a proteína-chave do HIV

Com o coronavírus, não é diferente. Portador de 10 regiões genéticas que codificam o mesmo número de proteínas estruturais e de seu metabolismo, uma de suas proteínas, a proteína S, que está presente na superfície do vírus (sendo, dessa forma, uma proteína estrutural e não metabólica), e um dos principais alvos para vacinas ou mesmo medicamentos antivirais específicos para a covid-19, o SARS-CoV-2 tem o seu modelo de antígeno para ser neutralizado por potenciais anticorpos através de imunidade adquirida, ou seja, por uma vacina. 

Em vez de uma vacina convencional, que contenha ou o vírus vivo atenuado ou as próprias partículas virais, as quais envolvem um processo lento e industrial de cultura viral (que é o mesmo há mais de 70 anos), a vacina da BioNTech/Pfizer, conhecida como BNT162b2, desenvolvida em meses com uma tecnologia específica pela alemã BioNTech, usa do próprio metabolismo do corpo para produzir proteínas virais viáveis, inócuas e imunogênicas. Assim é também a vacina da Moderna, a mRNA-1273.

O mecanismo é simples e intuitivo. Da mesma forma que o vírus, com sua patogenicidade e antigenicidade, gera proteínas estranhas ao organismo, que deve, através da imunidade humoral, reconhecê-las e neutralizá-las, enquanto a virulência do agente trata de destruir os tecidos e causar intensa reação inflamatória, levando ao quadro catastrófico da covid. Assim, a vacina da Pfizer utiliza uma tecnologia genética, que lança mão do maquinário celular do próprio hospedeiro para produzir proteínas antigênicas inócuas, mas que são essenciais ao funcionamento do vírus, ativando a resposta protetora, imunizando o indivíduo vacinado. 

Figura 1. Esquema visual da produção e mecanismo de ação de uma vacina de mRNA. Disponível: https://orleanscommunityhealth.org/covid-19-mrna-vaccines/

Usando RNA contra o vírus: entenda a vacina da COVID-19 – E as outras vacinas?

A Sinovac, a Sputnik e outras dezenas de vacinas estão em fases II e III de estudos clínicos mundo afora. Tais vacinas, diferentemente da vacina da BioNTech, não possuem um maquinário tecnológico tão complexo, mas estão em graus de tecnologia diferentes entre si. A título de comparação, trazemos aqui a Coronavac (da chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantã, que realizou as etapas clínicas aqui no Brasil, que possui o maior programa vacinal do mundo) e a russa Sputnik V

A Coronavac, como a maioria absoluta das vacinas disponíveis atualmente, usa partículas virais como imunizante. Uma tecnologia antiga, porém confiável, que existe desde os anos 1950. U ma cultura celular é realizada de forma a obter partículas virais de forma artificialmente controlada, as quais são então purificadas e desmanteladas por processos físicos (i.e. calor) e químicos (i.e. enzimas que alterem a conformação terciária das proteínas), e que serão então isoladas num diluente estéril e disponibilizadas para distribuição. São o tipo mais seguro e custo-efetivo de vacinas que existe, e é por isso que estão, desde a sua criação, sendo empregadas. Há também a vantagem de protegerem contra cepas mutantes do vírus, coisa que não é possível em vacinas que utilizem alvos genômicos. 

A Sputnik V, desenvolvida emergencialmente pela russa Gamelaya, é uma vacina que usa uma tecnologia algo nova, que é a lançar mão de um vetor viral auto replicável, como o adenovírus, mas com o material genético do agente ao qual deseja-se obter imunização; no caso, o SARS-CoV 2. 

É uma vacina altamente efetiva, em virtude de utilizar um vetor altamente virulento e relativamente inócuo, que é o caso do adenovírus com o material manipulado, praticamente independente do grau de resposta imunológica do indivíduo ao imunizante, cuja replicação é promovida pelo vetor viral. É por isso que, diferentemente da Coronavac e seus 50% de eficácia, a vacina russa pode chegar a 94%, falhando principalmente em pacientes imunodeprimidos — os quais não obteriam resposta a nenhuma outra vacina, de qualquer forma.

O sucesso operacional da Gamelaya se deve à expertise que a empresa possuía quando desenvolveu uma vacina contra o SARS-CoV 1, o MERS, em 2003, o que possibilitou a mera adaptação de RNA de um vírus não muito diferente para outro. 

Usando RNA contra o vírus: entenda a vacina da COVID-19 – Qual delas devo tomar, e qual devo prescrever a meus pacientes? 

O programa de imunizações brasileiro, dentro dos ditames do Sistema Único de Saúde, garante o acesso universal às vacinas que se encaixam no perfil epidemiológico da nossa população. Diferentemente das novas vacinas da dengue e do meningococo,  a vacina do coronavírus está sendo oferecida em âmbito estadual e federal à população e, em breve, de acordo com os consórcios que cada esfera governamental estabelecerem, a população será imunizada dentro das metas de um programa vacinal comum. 

No entanto, caso seu paciente, no futuro, opte por vacinas não disponíveis na rede (eventualmente a da BioNTech ou a da Moderna, por exemplo), caso a ANVISA ateste sua segurança e efetividade, você poderá prescrever vacinas de RNA para qualquer indivíduo sem riscos de grandes efeitos adversos.

A ABHH publicou recente documento sobre quais vacinas eram seguras para pacientes hematológicos. As sociedades de oncologia, pediatria, imunologia e reumatologia devem fazer o mesmo, assim que suas câmaras técnicas terminarem de analisar os imunizantes disponíveis no mercado e que, num futuro próximo, estarão disponíveis na rede privada brasileira. 

Participe do Saúde Digital

Deixe-nos saber o que você achou deste artigo! Você tem alguma dica para dar para o Saúde Digital? Quer sugerir um tema? Sua participação é muito importante! Clique aqui para falar conosco.

Você pode falar também diretamente com o host Lorenzo Tomé pelo Instagram, Linkedln ou Telegram no @lorenzotome.

Conheça o SDConecta!Lá tem mais assuntos como este e uma comunidade de inovadores da saúde para conectar com você. Clique aqui para acessar!