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Como o small data vai promover a medicina personalizada.

Lorenzo Tomé: Agora eu tenho o prazer de lhes apresentar o professor
Renato Sabbatini que entende tudo de saúde digital. É uma honra ter ele
aqui conosco para falarmos um pouco sobre esse processo de
digitalização da saúde, de transformação digital que o senhor sempre
estudou, publicou um acadêmico reconhecido nacionalmente e
internacionalmente. Eu quero que o senhor conte um pouquinho da sua
história professor, porque o senhor sempre militou nessa área de
informática médica.

Renato Sabbatini: Eu me formei e me doutorei na faculdade de
medicina de Ribeirão Preto da USP e já na minha tese de doutorado em
1970, tive que aprender programação de computador, porque o tema
que eu ia usar que era análise de estatística multivariada, ninguém fazia
naquela época. Então eu aprendi a programar em Fortran e comecei a
usar computadores de grande porte para desenvolver pacotes de
software e fazer tudo o que eu precisava. Naturalmente fiquei
apaixonado pela área. Isso foi a 48 anos atrás, e passei a me dedicar mais
a essa área. Em 1983 eu fui convidado pela Unicamp, saí da USP, onde
era professor e fui ser professor das ciências médicas da Unicamp, e
fundei lá o núcleo de informática biomédica. Que foi o primeiro grande
núcleo de pesquisa, ensino e inovação na área. Lá nós fizemos muitos
projetos que foram pioneiros aqui no Brasil, inclusive a criação da
sociedade brasileira de informática em saúde, em 1986 que continua até
hoje. Foi um começo que colocou o Brasil no mapa da digitalização da
saúde como chamamos hoje. Uma coisa que notei desde o início é a
necessidade de profissionais de saúde trabalhando nessa área, pois se
deixarmos tudo apenas nas mãos do pessoal de TI, eles nao tem a
vivência que nós temos, a experiência e o conhecimento que nós temos.
Então eu comecei a formar híbridos, pessoas que sabem tanto de TI quanto
de saúde e medicina, tais como, enfermeiras médicos e dentistas para inovar
nessa área e começar a criar coisas novas, além de desenvolver toda essa
área no Brasil, que é muito grande. É um dos maiores mercados de
saúde do mundo, estando atrás dos Estados Unidos, China e Índia.

Lorenzo Tomé: Professor, ao longo de toda a sua carreira, você esteve
muito presente na academia, na formação e quando o senhor fala dessa
importância do profissional de saúde, do médico assumir esse
protagonismo e entender a visão macro desse processo de digitalização
da saúde, isso coincide com o propósito do Saúde Digital. É para isso
que nós estamos aqui, para difundir essa ideia, trazer as tecnologias, para
impactar na vida do profissional de saúde, do médico, do estudante. Para
ele passar a pensar de maneira ampla e contribuir para esse processo de
transformação. E, hoje eu gostaria de falar sobre Big Data. O que é o
Big Data voltada para a saúde e contrapartida o Small Data que o senhor
também vai definir .

Renato Sabbatini: Bom, a medicina tradicionalmente sempre trabalhou
com as duas coisas. Então os ensaios clínicos para a medicina baseado
em evidências, são baseados em enormes números de pacientes. Por
exemplo, quando você lança um novo tipo de medicamento, você tem
que fazer várias fases de ensaio, e o ensaio clínico fase três geralmente é
com um número muito grande de pessoas, para deduzir a dosagem ideal,
qual a indicação, os efeitos colaterais, etc… Isso é Big Data. Agora
existe um foco maior em um número pequeno de dados porque com a
com a ciência genômica, a decodificação do código genético, nós
notamos que existe uma grande diferença entre as pessoas. Se você vai
trabalhar para a média na curva de Gauss, você vai dar uma dosagem do
medicamento na média, e nem sempre aquele medicamento vai fazer
efeito. Ou pior, ele pode ser tóxico para algumas pessoas. Nós estamos
começando a tratar a ponta da curva de Gauss, e para isso temos que
criar a medicina individualizada. Justamente porque ela aumenta mais a
precisão do diagnóstico do tratamento. Ou seja, no futuro nao vai
existir uma dose padronizada para todo o mundo, ou um medicamento
capaz de tratar todas as pessoas com aquela doença, vai existir um
tratamento sob medida Isso já tem mostrado resultados em algumas
situações hoje em dia, isso é Small Data.

Lorenzo Tomé: Professor, é fantástica essa ideia, porque quando
pensamos em uma pesquisa, como ela é montada, quanto maior o N, a
princípio mais fiel é essa pesquisa. Mas na medida em que a tecnologia
chega e conseguimos captar uma quantidade muito grande de
informação de um indivíduo apenas, começamos a ter valor das
informações daquele indivíduo…

Renato Sabbatini: Vou dar um exemplo de um projeto que desenvolvi,
que é descobrir os fatores que levam a pessoa a perder peso. Hoje a
receita para isso é padronizada, então quando um médico fala que o
paciente tem que perder peso, ele dá uma receita padronizada, que não
funciona para todo mundo, já que os metabolismos são muito
diferentes. Então eu desenvolvi um projeto em que se colhe durante um
mês absolutamente tudo de uma pessoa usando aplicativos, quantos
exercícios ela fez, o que ela comeu, etc… No mês seguinte se inicia um
processo de emagrecimento, e através de estatística pesada, você
descobre quais são os fatores que funcionam. Para uns pode ser não
comer carboidrato à noite, para outros fazer exercícios duas horas
depois que comer, não tem dois indivíduos exatamente iguais. Com esse
projeto uma pessoa pode emagrecer de dez a doze quilos em apenas seis
meses.

Lorenzo Tomé: A partir do momento em que a tecnologia consegue
captar com precisão esses dados do indivíduo, conseguimos trazer uma
luz para essa ciência. Você passa dois, três, quatro meses captando
informações com todos os recursos tecnológicos, passamos a ter uma
cesta de dados que vai funcionar muito melhor do que se fizermos com
uma população inteira. Seria uma customização da saúde.

Renato Sabbatini: A saúde 4.0 é exatamente isso. Então eu prevejo que
você vai comprar daqui cinco ou dez anos um pequeno periférico que
vai ligar no USB do seu computador e vai fazer instantaneamente a
análise genômica do seu paciente. E com a inteligência artificial ele já vai
propor um tratamento individualizado. porque como você avalia muitos
dados, é uma análise multivariada, extremamente complexa e de natureza

estatística, ou seja, não é determinística, só que ela vai ser mais eficiente
do que uma pseudo determinística, inclusive o próprio prognóstico vai
melhorar muito. Hoje por exemplo se o paciente tem câncer a primeira
pergunta que ele faz é “Doutor, quanto tempo eu vou viver” e você
médico fica perdido, pois dá uma resposta estatística “Olha 5% das
pessoas com câncer pancreático grau 4, vivem mais que um ano” . Aí
ele pergunta, “Tem 5% de esperança?” e você é obrigado a falar que
tem. Isso gera um problema, pois ele vai acreditar que está entre esses
5% . Agora com a Small data você vai poder falar ao indivíduo qual o
prognóstico da doença dele, e melhorar a carga terapêutica se ele for
sensível a ela. Na minha pesquisa eu fiz um protótipo de uma rede
neural artificial, onde nós pegamos 268 pacientes da UTI da Unicamp e
coletamos 21 variáveis no dia da internação da UTI, um score que se
chama Apache 2. Esse apache 2 é um Big Data, ele foi feito com
centenas de milhares de pacientes e consegue fazer um prognóstico com
75% de acerto. Ao fazer o big Data individual, eu aumentei essa
segurança para 98,6%. Ou seja , independente do que você faça com
uma pessoa na UTI, você sabe se ela vai morrer ou nao. Agora eu
pergunto para você “Eticamente, o que fazemos com um paciente com
98,6% de chance de morrer? Nós abandonamos um paciente, pois vai
morrer de qualquer jeito, ou aumentamos a carga terapêutica para que
ele consiga ser aqueles 2% que vão sobreviver? Que é a resposta ética
correta. Se eu souber o perfil individual dele de resposta, provavelmente
ele vai ser aqueles 2%, reduzindo o risco de 98% para 60%.

Lorenzo Tomé: Professor, essa é uma abordagem muito inovadora
para a gente começar a discutir, é claro que isso está um pouco longe da
realidade de ser aplicado para o paciente. Mas, com certeza, com essa
tecnologia que está chegando, vamos evoluir, afinal a saúde 4.0 é uma
saúde customizada para o indivíduo, teremos dados associados a
manipulação ou influência do código genético através dessas tecnologias
novas.

Renato Sabbatini: E falamos ainda da possibilidade que já está se
tornando realidade, de mudarmos a realidade genética do indivíduo,
porque hoje na medicina moderna agente nao consegue fazer isso. Por
exemplo, se você nasceu com o gene errado, se você tem uma doença
genética, você não pode fazer nada, você herdou aquilo dos seus pais.
No futuro, que não acredito que será muito longe, eu vou entrar com
uma tecnologia em que vou modificar os genes da linha de produção.
Entao nem eu e nem meus filhos nasceram com esse problemas, pois
esses genes mutados serão substituídos por genes normais. Seus
descendentes estarão livres desse problema. E para isso, o barateamento
da sondagem genética, você saber o seu genoma é fundamental. Para ter
uma ideia, o primeiro genoma decodificado na década de 80 custou
cerca de 3 bilhões de dólares, um único genoma. Hoje ele custa em
torno de 300 dólares, ele vai custar 30 dólares daqui uns anos. Mas para
isso vamos precisar reeducar nossos médicos que ainda estão na
medicina do século XX.

Lorenzo Tomé: Para encerrarmos, que dica o senhor traz para os
estudantes de medicina e para o médico recém formado que está
trilhando uma carreira nesse ambiente de saúde digital?

Renato Sabbatini: O que vai acontecer é que o médico vai se tornar um
grande usuário de tecnologia, isso é inevitável. hoje ele já é um grande
usuário de tecnologia, mas tecnologia embutida, onde um radiologista
usa um tomógrafo, por exemplo, lá existe um tecnologia
complicadíssima. E muitas das vezes o médico não conhece, então nós
temos que modificar em um futuro próximo tanto o ensino das ciências
básicas quanto as clínicas, e principalmente com a digitalização da saúde,
ele vai ter aprender também todas essas técnicas que utilizam a
tecnologia digital aplicadas na área de saúde. Hoje no Brasil, temos cerca
de 320 faculdades de medicina, ou seja, temos mais faculdades de
medicina que a Índia que tem o triplo da nossa população, três vezes
mais faculdades que a China que tem 5 vezes a nossa população. O que
essa explosão de faculdades de medicina gerou de novo? Nada! Continua

se ensinando do mesmo jeito. Então a introdução das disciplinas, de
bioinformática, informática aplicada à saúde, medicina genômica e
medicina de precisão é inevitável. Temos que fazer isso em todas as
faculdades para que o médico se atualize, principalmente o médico
recém formado que já vai sair para esse mercado de trabalho onde vai ter
todas essas exigências.

Lorenzo Tomé: Fantástico professor Sabbatini!  Muito Obrigado!

Renato Sabbatini: Muito obrigado pela oportunidade Lorenzo, é
sempre um prazer estar aqui falando com você.