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E quais benefícios isso traria tanto para o sistema quanto para seus usuários? Descubra aqui!

No artigo de hoje, vamos refletir os impactos que a gestão profissionalizada e a tecnologia podem oferecer ao setor público de saúde.

Quando falamos de SUS, sabemos que na teoria, no papel, é um dos melhores sistemas de saúde do mundo, entretanto na prática, na realidade, isto é bem diferente. Infelizmente, nosso sistema público de saúde está em colapso. Filas gigantescas e normalmente baixíssima qualidade na imensa maioria dos serviços de saúde prestados pelos serviços públicos. A resolução desse quadro carece de intervenções que são complexas, mas essas intervenções vão muito além da falta de dinheiro, da escassez de recursos. Visitamos a prefeitura de São Paulo, para conhecer um pouco do que tem sido pensado e feito por lá. É uma metrópole que enfrenta vários desafios, sendo o setor da saúde um deles.

Conversamos com Joel Formiga, engenheiro de formação, que fez carreira na iniciativa privada e agora está na PRODAM, dentro da prefeitura de São Paulo. Uma experiência que mais uma vez confirma a necessidade de unirmos múltiplos saberes para construir uma saúde melhor.

Joel, em sua trajetória você esteve em uma grande empresa privada que é a IBM, passou pela academia e agora está na esfera governamental, conte-nos um pouco sobre essas transições entre mundos tão diferentes.

Pois é, Lorenzo. É, são mundos bastante diferentes, e eu acho que eu olhando para trás hoje digo que trilhei um caminho na direção certa. A carreira corporativa, ela é uma carreira de resultados financeiros melhores, você tem um aprendizado muito grande, e a chance de construir o teu patrimônio. No ambiente governamental, são sempre salários mais baixos, não é onde você vai fazer as carreiras mais ricas. Agora, é onde você tem a chance de ter o maior retorno para o esforço do seu trabalho, e onde você pode usar todo o aprendizado. Imaginem uma corporação como a IBM. Faz MBA, faz cursos no exterior, você conhece a realidade de vários lugares do mundo…

Quando você chega aqui então, para tentar fazer uma transformação digital – vamos chamar assim – dentro de um ambiente público, numa área complexa, grande como é a saúde, deficitária em muitos sentidos, você descobre que tudo que você aprendeu não é suficiente. Então, eu diria que começar uma carreira pelo lado governamental, sem você ter acumulado uma certa bagagem, um conhecimento, deve ser mais difícil. Não sei se eu posso dizer que eu planejei dessa forma, eu acho que não, mas a forma como as coisas se desenvolveram em minha carreira, nesse sentido foram boas. Primeiro, a experiência privada no mundo corporativo, te dá o ensinamento, a base financeira para você poder encarar os desafios; eu passei pelo mestrado em ciências políticas na USP, que eu diria que foi uma ponte de transição. Nunca foi uma intenção de vida acadêmica, e agora essa experiência que estou tendo aqui em um governo.

E é uma sorte poder encontrar uma prefeitura – eu entrei aqui com a gestão Dória – que tenha essa visão de inovação, que valorize a inovação e tecnologia. Na época, o Dória encolheu várias secretarias, mas criou duas, e uma delas de inovação e tecnologia, e foi através dessa secretaria que eu vim parar aqui na saúde, e tentar fazer uma transformação aqui.

É muito mais difícil. A impressão que eu tenho nessas minhas duas experiências, é muito mais difícil o trabalho no governo. Mas a diferença que você faz, a relevância dos projetos em que você entra, a chance de tocar a vida das pessoas é muito, muito maior, é muito empolgante.

Formiga, é fantástico isso que você fala, de você trazer essa bagagem do mundo corporativo para dentro da prefeitura, e isso deve impactar positivamente o seu lado pessoal. É como se você estivesse devolvendo um pouco para a sociedade o que ela meio que te ensinou e que você correu e foi atrás. Falando um pouco da inovação, Formiga, a gente sabe que você lidera esse escritório de projetos e como você já mesmo disse, a saúde é uma área bastante deficitária. Como falar em inovação tecnológica se a gente ainda carece de serviços básicos? Onde tem espaço à inovação tecnológica nesse sentido?

A pergunta é o contrário: como é que você não faz transformação tecnológica exatamente onde você tem as maiores carências? Como é que você vai resolver as carências da área de saúde pública – que não são poucas – sem tecnologia? Só com mais médicos? Só com mais remédio? Só com mais dinheiro? De onde vai vir esse dinheiro? Então, eu acho que isso é verdade na saúde, não só pública, a gente olha o enorme investimento que a sociedade americana está fazendo em tecnologia, porque eles chegaram a um nível de gastos em saúde de 19% do PIB, que por um lado pode parecer bom – gasta-se muito, a saúde deve estar melhorando, e está mesmo – mas por outro, é um peso à sociedade gastar 19% do que se produz com a área de saúde. E aí, como é que você economiza? Nem diria economiza, mas como é que você pelo menos maximiza o retorno desse dinheiro que você gasta através de tecnologia? E as transformações tecnológicas custam uma fração do benefício que elas trazem.

E aí você tocou num ponto interessante. Mas espera aí, como é que você vai fazer isso num ambiente tão pouco digitalizado? Eu vou te falar o contrário. É aí mesmo que você tem 80% do ganho com 20% do esforço, quer dizer, quanto menos digitalizado, mais você tem por ganhar em fazer a digitalização de processos, de métricas, de acesso, quer dizer, nas diversas frentes que você pode digitalizar.

E são muitas, nós estamos começando. Tem muita coisa que pode, e se Deus quiser será feita, para melhorar, reduzir essa carência, no melhor uso do recurso.

Formiga, eu fiz essa pergunta por que é justamente o que eu acredito, se as grandes empresas, as grandes corporações, elas investem maciçamente em tecnologia, por que então o sistema público não investiria? E eu acho que, aperfeiçoamento de gestão e tecnologia, é o primeiro passo para transformar a saúde. Então a gente vê essa iniciativa. E que bom que tem líderes pensando nisso, trazendo isso para o SUS. Então vamos lá, vamos falar dos seus projetos. Conte-nos como foi a implantação e o que foi a ‘agenda fácil’.

Olha, o ‘agenda fácil’ é um aplicativo de celular que permite às pessoas fazerem e gerenciarem os seus agendamentos junto ao serviço municipal de saúde. Para dar uma noção da dimensão, hoje acontecem cerca de 100 mil procedimentos, consultas e exames por dia no município de São Paulo, que são feitos através de agendamento, e o principal canal de agendamento, o único em que o paciente, o munícipe, pode iniciar, é presencial. Quer dizer, nós estamos passando de ter que ir à unidade, do presencial, direto para o digital. Não existe hoje no serviço municipal um telefone para onde você possa ligar. Nas unidades, há uma central de agendamentos que liga para o paciente, não que receba ligações dos pacientes. Para qualquer dúvida, como esqueci meu agendamento, não sei que dia que é, não estou achando o papelzinho, você tem que ir na unidade para poder se informar, se você não puder comparecer, você tem que ir pra dizer que não vai? Quer dizer, a pessoa acaba não indo, e o absenteísmo – quer dizer, as agendas marcadas em que o paciente não aparece – chega a 30%, em alguns casos 40%.

Quer dizer, você gastou com médico, você gastou com equipamento, com consultório, e de dez pacientes aparecem sete. E aí, quer dizer, se você conseguir reduzir isso, esse absenteísmo, pela metade, você está fazendo uma consulta e meia a mais. Você está aumentando em 20% a produção sem gastar um centavo a mais. Porque o médico está pago, a sala está paga, e o equipamento está pago. Então é aí que a tecnologia de fato pode ajudar.

Agora, como é que a gente fez com esse ‘agenda fácil’!? A gente fez um desenvolvimento agile (ágil) numa tecnologia em que nós usamos prototipação pesadamente. Passamos cinco meses com um protótipo e um grupo de usuários reduzido, no qual a gente construiu um braço do grande sistema de agendamento que existe no município de São Paulo chamado SIGA.

SIGA Saúde, para aqueles que conhecem, onde se faz 30 e tantos milhões por ano, 100 mil por dia, agendamentos dos mais diversos procedimentos. Então, nós desenvolvemos APIs nesse grande sistema, e o aplicativo não tem nada, ele é casca, ele só tem funcionalidade, ele não guarda agenda, fila, não guarda cadastro, vaga, nada, ele vai buscar tudo no SIGA e vai registrar tudo no SIGA.

A ideia de fazer através de APIs é porque existe um grande potencial de integrações de diferentes sistemas de agendamento, então, o SIGA que é o sistema de agendamento municipal pode e, deverá conversar com o sistema estadual que agenda serviços na rede estadual, e eventualmente federal; mas São Paulo não tem muitos serviços federais, mas tem muita coisa do estado.

Então, essas APIs são desenhadas de modo a você poder interagir com sistemas de agendamentos de outros, não só com o aplicativo agenda fácil que é por onde a gente começou. Bom e aí, como é que está a adesão disso? Dia 26 de março, ou seja, – estamos gravando isso aqui no comecinho de junho – dia 26 de março tem uns dois meses, que nós abrimos para a população inteira de São Paulo. E aí a gente está vivendo aquele aprendizado, aquela – eu diria – parte energizante que é a adesão de aplicativo.

A gente tem um grupo que olha diariamente todos os logins, as transações que são feitas, que tipo, quando, a gente acompanha os downloads, as desinstalações, responde a todos os comentários; na ânsia de aumentar essa adesão o mais rápido possível.

Neste momento, nós estamos com mais de 30 mil usuários ativos. Esses se conectam – por dia a gente tem aproximadamente duas mil pessoas se logando no aplicativo – fazendo cerca de 500 transações de agendamento por dia. E aqui tem uma excelente notícia, que cerca de um terço dessas transações são de cancelamentos. Pessoas que dificilmente iriam até a unidade para dizer que não iriam naquele dia, que pelo aplicativo elas têm essa consciência de cancelar. Até recuperam o seu lugar na fila, se for um procedimento passível de fila, e com esse comportamento, a gente abre a vaga para que outra pessoa se agende. Agora onde que isso vai parar, nós temos o que eu chamo de meta intermediária, a gente quer chegar em cerca de cinco mil transações de agenda por dia. Lembra que são 100 mil diárias? A gente quer ver 5% disso através do aplicativo e a gente estima que para isso a gente precisa de 500 mil usuários ativos.

São Paulo tem cerca de seis milhões e meio de pessoas que são SUS dependentes. Só usam o SUS. Tem mais um milhão que usa duplo, usa SUS e usa privado. Então, desse público aqui, estamos falando de ficar com um pouco menos de dez por cento daqui para o final do ano. Seria uma meta que a gente está querendo acompanhar. Desses 500 mil, a gente está crescendo hoje na nossa base pouco menos de mil por dia então a gente para chegar em 500 mil em seis, sete meses, a gente vai precisar de uma aceleração dessa curva. Não pode ser um crescimento linear. A gente acha que não vai ser; a gente quer um crescimento exponencial; que é o ‘boca a boca’ que vai fazer. E a gente está apostando. Estamos vendo isso acontecer. Mas daqui a sete meses eu conto para vocês, quando é que a gente chegou aí.

Formiga, tem já definida alguma estratégia? Porque você falou bem: todos aqueles que trabalham com aplicativos sabem que uma das dificuldades é o engajamento do usuário nesse aplicativo. Além desse ‘boca a boca’, que estratégia você está pensando em usar para engajar, melhorar o engajamento, desse paciente?

Olha, primeiro esse, esse… a gente tem que entender a natureza do aplicativo que nós estamos gerenciando. Quando você vai lá na Google Store e você olha os downloads você, vê um comportamento de serra, que reflete exatamente a semana, durante a semana as pessoas baixam 700, 800, 900 downloads, e no fim de semana 20. Não podemos esquecer que é um aplicativo para quando as pessoas precisam de serviços de saúde.

Outra coisa que a gente observa muito lá, e esse aprendizado é muito vivo, a gente tem um grupo tático que se reúne pra aprender. Tem gente de comunicação, gente de sistema, gente da área clínica, médica, da área assistencial; para a gente entender esse comportamento do usuário. São as desinstalações, elas seguem o mesmo serrotinho, mesmo gráfico em serrote, quer dizer, quando tem um dia que tem mais downloads também tem mais desinstalações e isso a gente já concluiu, e já confirmou até por pesquisa, está associada ao fato de que a gente pede ao usuário que vá uma vez à unidade.

A gente compara aqui a seriedade da saúde é como se fosse um banco, e a maioria dos aplicativos de banco, você para começar a usar – você baixou e pra começar a usar – você tem que se cadastrar na agência, pegar um código, uma senha, validar num caixa eletrônico que seja, e daí pra frente você pode usar o aplicativo. E é a mesma coisa aqui, a pessoa precisa ir à unidade uma vez. Então, o cara curioso baixou e quer ver como é que é, ele não consegue, precisa ir nessa unidade uma vez;

Então, isso é uma outra realidade com a qual a gente tem que lidar. E o que nós estamos fazendo? Nós estamos, primeiro, criando um botão de ‘compartilhe’ no próprio APP. Vamos ver, depois eu conto para vocês se esse negócio teve adesão. Acho que vai ser uma experiência bem interessante. E nós estamos fazendo um PUSH via callcenter, quer dizer a gente pegou a lista, tem um milhão, mas a gente priorizou. Vamos começar com 200 mil usuários do SUS que mais frequentam as unidades. Porque de novo, ninguém vai baixar o aplicativo e manter o aplicativo para ir uma vez no serviço público.

Agora, se você está num processo de tratamento, se você é um paciente crônico ou idoso, que vai muito nas unidades, a cada dois meses você está indo fazer um exame ou uma consulta, se você é uma mulher grávida que vai fazer os acompanhamentos do pré natal, ou tem criança pequena. Esse usuário mais repetitivo, é ele que vai usar.

Então a gente pegou esses um milhão, começando com 200 mil, e estamos fazendo um callcenter ativo ligando para eles, explicando. Já entrega o código na hora e a pessoa já começa a usar. Interessantíssimo, dois terços das pessoas estão encantadas com a possibilidade, dizendo que vão usar. Vamos ver quanto que isso dá de retorno. Claro que você pode fazer, se tiver dinheiro, é propaganda de rádio e televisão, mas tem que fazer conta para ver se vale o retorno, porque dinheiro público é dinheiro público.

Formiga, outro projeto liderado por você foi o corujão da saúde. Neste projeto vocês acabaram com a longa fila de espera por exames médicos na cidade de São Paulo. Explica um pouco dos resultados dessa iniciativa, e como vocês estão lidando agora com uma consequência do corujão, que é provavelmente o aumento na fila de espera para as especialidades médicas e para os procedimentos cirúrgicos que esses exames detectaram.

Vou falar um pouquinho sobre a perspectiva, o corujão da saúde sob perspectiva, de tecnologia. Essa foi uma promessa do prefeito, ou seja, portanto, feito em época de campanha, quando a gente não tinha sequer acesso aos dados. Estava uma outra gestão aqui, e essas coisas são muito Chinese Wall, não é?! No dia dois de janeiro nós entramos, mas até então a gente falava duma fila à qual nós nunca tínhamos tido real acesso. A primeira coisa que nós fizemos é: vamos entender essa fila.

Fala-se muito em aridez digital… ah o setor público é muito pouco digitalizado! É, mais ou menos viu, aqui na saúde especificamente, tem muito dado, muito dado, e muito pouca informação.

A primeira coisa que nós fizemos foi: vamos olhar para esses dados, vamos olhar para essas filas. Vamos entender essa fila, idade, vamos georreferenciar esses pedidos de pacientes, vamos comparar fila com realizado, com vaga, para a gente entender o que precisa.

Não é só jogar mais e mais máquina de ressonância, e mais convênio com hospital particular. Mas onde, quando, quanto eu preciso? Então a gente criou aqui um BI (Business Inteligence). Eu vou te falar, talvez um dos BI mais simples que eu já vi na minha vida, mas ele foi um dos de maior impacto porque o paciente saiu de uma escuridão, onde tinha dado, mas ninguém tinha informação, para uma informação que permitiu tomada de decisão estratégica. E aí, a fila de fato andou muito bem e o prefeito cumpriu em 83 dias a promessa que era de 90, acabar com a fila do ano anterior.

Agora, isso trouxe uma cultura de usar informação, cultura de gerenciar fila sob a ótica estatística, uma cultura que transcende aqueles exames de radiologia que foram especificamente do corujão. Primeiro se manteve a prática, a disciplina de gerenciar essas filas na unha. Hoje essa fila que foi de 500 mil, quando nós entregamos ela zerada eram 80 mil, que a gente chama de fila normalizada, porque gira em menos de um mês, e hoje essa fila está em 60 mil. Então está bem gerenciada.

Agora a fila que você tem que olhar, é a fila das consultas de especialidade. A questão é a seguinte – Ah não tem médico suficiente! Talvez não tenha médico suficiente. Mas é exatamente na escassez, que você precisa de recurso de informação, onde tem abundância você não tem que se preocupar, porque no final acaba atendendo todo mundo, mas na escassez você tem que otimizar na melhor forma, o uso dos recursos, e eu garanto que o que vinha acontecendo – parte da criação dessa fila no passado – não era só porque faltava vaga. Faltava gestão, no sentido de que tinha uma máquina parada sem pacientes e cinco pacientes esperando noutra máquina. E isso, essa cultura, eu diria que está absorvida.

Tem um projeto agora da secretaria – eu não cuido mais essa parte – chamado sala de situação onde a área, que aqui se chama de regulação, vai passar a olhar para todas as filas, as vagas e as demandas, de uma forma centralizada, numa sala com seis profissionais que não fazem outra coisa a não ser cuidar de radiologia, consulta de especialidade, consulta de exames, procedimentos e, dimensionar a oferta e demanda. – Vai resolver tudo? – Não! – Talvez vai chegar à conclusão que falta um certo procedimento, que faltam um certo profissional. Mas vai saber com precisão qual falta e onde falta, e para que tipo de procedimento.

Formiga, é aquela velha estória, não é? Se você não tem dados, você não pode gerenciar. Eu acredito que essa iniciativa agora, é como se fosse um dashboard, buscando uma avaliação em tempo real para tomar a medida certa, na hora certa, gastando a quantidade de dinheiro certo.

É isso aí…. é um dash… a gente chama de sala de situação, ela vai ser equipada com um dashboard, mas ela vai além. A gente acredita que na tecnologia atual, os sistemas… uma certa inteligência aí… analítica, é capaz de sugerir os pontos de correção, sugerir ações… falta vaga aqui, os alertas, os alarmes. Olha, se você mandar os pacientes da região sul, onde tem mais fila do que vaga, para serem atendidos na região sudeste, em um mês e meio você elimina a fila de ultrassonografia por exemplo. E são sugestões automatizadas, que as ferramentas mais modernas são capazes de gerar. Não sei se chega a ser inteligência artificial, mas certamente uma inteligência analítica aí.

Outro projeto que você teve a frente, liderando, foi o ‘remédio rápido’. Uma iniciativa que visava repor o estoque de medicamentos nas farmácias da rede municipal, que estavam próximo do fim. Entretanto Formiga, a gente percebe que houve resistência, e eu queria que você falasse um pouco sobre isso.

Parte da resistência ao programa ‘remédio rápido’ se deu à época, a umas doações que nós recebemos logo no começo. Porque quando assumimos aqui, a realidade é que não havia medicamento em estoque. Para dar uma ideia de disruptura, a disruptura de estoque nas farmácias era de 54%. Quer dizer, em média você chegava numa farmácia com uma lista de dez medicamentos e saia com quatro. Hoje nós trabalhamos com 94% de completude ou 6% de ruptura.

Então, os estoques centrais completamente desabastecidos e as pontas já com menos da metade dos medicamentos compostos. Nesse momento, o que se fez?! Se saiu comprando medicamento; que é um ciclo razoavelmente longo. As licitações vencidas tiveram que ser renovadas. Quer dizer, leva 2, 3 meses para você receber um medicamento que você começa a comprar num dado momento… e, pediu-se uma doação para os laboratórios.

Os laboratórios doaram algo equivalente ao valor de 12 milhões de reais. Para botar isso em perspectiva, a gente compra por ano cerca de 300 milhões de reais em medicamentos, que são dispensados à população gratuitamente nas farmácias do município. Então, 12 milhões e 300 mil eram mais ou menos aí… um mês e pouco né… e 80 medicamentos. A crítica que se fez à época, a essa doação especificamente, foi de que alguns medicamentos venceram. Recebemos coisas velhas que venceram. E, de fato, dois dos medicamentos não tiveram demanda completa e venceu uma parcela pequena deles, no total foi mandado para descarte 0,2% de todos os comprimidos e doses recebidas em doação – 0,2%. A média numa farmácia, é de 2%. De cada 100 pílulas que entram numa farmácia, duas vão embora para o lixo, vencidas. Certo?! No nosso caso foi 0,2%. Mas ainda assim, houve uma crítica. De fato, o programa ‘remédio rápido’ não era isso, ele começou como uma doação, e era um programa de logística. Um programa que visava, de novo, pegar dados, e tinha sistema de distribuição, tem sistema de estoque e tudo mais e transformar em informação. Mais uma vez, um BI, esse mais simples ainda. Mais um BI que vem acompanhando a disponibilidade de medicamento na ponta.

Aqui a gestão era acompanhar o estoque central. Tenha ou não tenha OMEPRAZOL no estoque central. Pouco importa se tem OMEPRAZOL no estoque central, porque tem que ter é em cada uma das farmácias onde as pessoas retiram OMEPRAZOL. Só para botar as coisas em dimensão, aqui é tudo meio gigante, na saúde municipal de São Paulo especificamente, são 17 milhões de comprimidos por mês, que são dispensados, milhões de comprimidos por mês, para os munícipes de São Paulo, só de OMEPRAZOL.

Então a gente passou a olhar para a ponta, e aí foi mudando, fizemos um processo integrado de compras, quer dizer, integrando compra, com financeiro, com suprimentos, com distribuição. Uma nova inteligência de distribuição que reviu os ciclos, os prazos, mais caminhões de menor porte para ter maior agilidade nessa distribuição…e por fim, um melhor controle na dispensação, com algumas mudanças no sistema que controla a saída do medicamento em mãos do paciente. Com isso a gente atingiu um nível normal, e vem mantendo esse nível normal de disponibilidade de medicamentos.

Um projeto que foi reconhecido pela revista Mundo Logística, com uma matéria de seis páginas, sobre essa transformação de logística na distribuição do que a gente chama de medicamentos de dispensação, aqueles que são dispensados aos pacientes.

Você entrar numa unidade e ver que as pessoas conseguem fazer os seus exames, até gratidão por parte delas, além das pessoas conseguirem retirar os seus medicamentos. E, quando se lida com saúde pública, tem de tudo, tem gente que se não tiver um remédio de graça, vai lá e compra, mas tem uma parcela da população, que se não tiver um remédio de graça, não toma, e se um cara que tem diabetes, hipertensão, várias doenças crônicas dessas, não se medica, a saúde dele se complica de forma letal ou fatal; inclusive com enormes custos para o sistema.

Então, essa realização de ver o remédio chegar na ponta, de ver os pacientes serem atendidos nas suas necessidades, por exemplo de exames radiológicos, lá no ‘corujão’, é muito mais emocionante do que os melhores projetos que eu consegui fazer na IBM.

Aproveitando esse gancho seu, de estar sensibilizado com os resultados das políticas, como você acha que a digitalização beneficia e empodera o paciente?

Olha, primeiro é acesso à informação. Vamos usar o ‘agenda fácil’. Não só o sujeito tem que ir até a unidade para ter uma informação, que seja dos seus agendamentos, como quando ele chega lá, o que ele enxerga? Ele enxerga as costas de um monitor, e vão contar para ele o que quiserem daquela tela que ele não está vendo. Agora ele tem, ele próprio o celular na mão, que seja para acessar a informação; só que vai além, ele pode se agendar, ele pode cancelar, ele pode confirmar um procedimento. Então, você está dando informação ao cidadão.

Parte disso gera também resistência, não é?! Quer dizer, onde que a transformação digital vai gerar resistência? Em quem detinha o poder! Olha, não é do usuário, não é do paciente, o paciente está adorando, eles até reclamam é que queriam mais. Eu queria poder fazer coisas que hoje ainda não posso! – E a gente – Calma! – Vai chegar lá!

Mas de todo modo, é quem detinha o poder antes que fala – Como assim agora o paciente acessa direto às MINHAS vagas? É porque elas não são suas, as vagas são do sistema público e são PARA os pacientes.

Mas isso é muito comum, não é só no público. Nas empresas todo mundo vibra com a digitalização, quando é você a usar o UBER, quando é você a assistir Netflix, não é?! Quando chega na sua empresa você fala, que ótimo, vamos transformar assim o departamento lá de cima, do sexto andar, porque o meu, deixa para depois né… aqui ainda começa né… um ah não, veja, é que a minha área tem particularidades que não são passíveis de digitalização. Aqui a coisa não é bem assim, sempre foi feito de outra forma.

Existe o aspecto cultural, as pessoas estão muito mais ávidas por transformação no quintal dos outros do que no seu próprio, até verem que não dói, quer dizer, que é o contrário, que pode ser benéfico, facilitar o trabalho delas. Aí elas abraçam.

É a resistência natural de todo o processo de inovação, não é? Que enquanto nós estamos à frente disso, a gente precisa vencer esse processo.

Olha, eu me formei em 1987. Se vocês acham que essa crise econômica que a gente vive hoje é dura, vocês não imaginam o que era arrumar emprego em 1987. Isso foi antes do confisco do Collor. Foi antes do Collor ser eleito até. Antes da constituição de 88. O que acontece é que quando a gente se formava naquela época a gente ia atrás do emprego que melhor pudesse te dar perspectivas de retribuição financeira.

Quer dizer, é claro que a gente se preocupava… se eu gosto do ambiente, se eu gosto do que eu estou fazendo…eu tive a oportunidade de me formar numa boa faculdade. Eu me formei em engenharia mecânica no IME, que era o Instituto Militar de Engenharia lá no Rio de Janeiro, e tive três, talvez quatro, ofertas de emprego assim que me formei. Coisa rara à época né…

Aí você escolhe, você se agarra naquela que você acha que vai te dar as melhores perspectivas. Eu tinha uma empresa de informática, fazia sistemas para um laboratório – olha como a vida dá voltas, e agora estou aqui de volta na área médica né – lá eu programava a noite, em turbo pascal. Mas eu entrei para a IBM e fiz uma carreira que foi fantástica. A IBM foi uma escola, e foi uma casa para mim, muito dinâmica porque você não passa mais de dois, acho que três anos foi o máximo, fazendo a mesma coisa, você vai fazendo coisas diferentes.

Eu tive a oportunidade de fazer um assignment no exterior. Para você ver, é uma outra perspectiva do mundo. É uma empresa muito globalizada, então te dá uma visão de mundo bem interessante.

Uma empresa onde eu fui diretor-geral do banco, tem um banco na IBM. Naveguei um pouco nessa área e fui diretor para o setor público na América Latina. E foi aí que comecei a olhar para esse outro lado, porque para mim governo era aquele negócio chato que você tem que tirar carteira de motorista ou pagar imposto de renda. Eu lidava pouco com o governo e me interessava pouco por governo e eu comecei a ver as perspectivas do papel do governo nas diferentes gestões né…

Independente do viés ideológico, governo tem a sua função, tem o seu papel, e é a eficiência ou a ineficiência de um governo que vai mudar muito a qualidade de uma sociedade.

Pela IBM o que a gente fazia era tentar… tentava mais do que conseguir, no Brasil pelo menos, vender projetos de inovação, de modernidade, transformação, em governo. E, aquilo me despertou. O pessoal brinca que chama isso de mosca… foi mordido pela ‘mosca azul’ – criou esse interesse. Daí que eu tive essa ideia de fazer uma ponte. Estava na IBM ainda quando comecei a fazer esse mestrado em Ciência Política. Já tinha um horizonte de perspectiva de me aposentar pela IBM. De fato, eu sou aposentado. Tem uma série de benesses isso, não só do ponto de vista financeiro, mas plano de saúde, etc…e aí que eu fui ver o seguinte, que a gente no mundo corporativo, ainda mais muito tempo numa mesma carreira, você acha que todo mundo é mais ou menos igual, porque todo mundo com quem você convive pensa mais ou menos igual a você; são poucas as diferenças.

Quando você cai num ambiente acadêmico e vai ver o que é ciência política, é uma mudança muito grande, e você começa a ver pessoas que pensam muito diferente e isso de fato é necessário, se você vier um dia a trabalhar em governo, porque você encontra experiências muito diversas, histórias de vida muito diferentes. Não é quem tem a maior escolaridade que sabe mais, ou que decide mais, e você tem que navegar e discutir com… que seja um vereador de oposição, um deputado ou um gestor de carreira – certo – médico. Dentro da saúde quem manda no final das contas é médico. Então, é uma categoria que pensa de uma certa forma, e você tem que se adequar àquilo. E então, lidar com formas diferentes de pensar e de trabalhar, para mim foi uma escola, e eu diria, uma sorte de poder agora numa etapa, que eu chamo de minha segunda carreira, estar fazendo um…dar um retorno. Mas não estou fazendo uma coisa só do ponto de vista altruísta não, porque quando você faz um negócio legal não é só porque você fez pelos outros. Você fez por quê? Por você né!?

Estava aqui com a vó do Breaking Bad, quando aquele personagem principal lá, vira para a esposa dele, já que o mundo todo desabou para todo mundo, depois de sete seasons, se não me engano, ele vira para ela e fala assim – Eu fiz isso tudo… Aí ela vira e fala – Não vai me dizer de novo que você fez isso tudo por mim! Ele falou – Eu fiz isto tudo por mim!

Eu fiz para mostrar que eu era capaz de fazer, e para me realizar fazendo tudo que eu conquistei. E eu acho que é isso, não estou aqui … a não é assim – Ah que bacana, o Formiga é um altruísta, faz isso pelos outros. Não, faço porque a realização que a gente encontra em se desafiar e fazer um trabalho difícil, por que aqui é BEM difícil, certo?! Para um troço dar certo cara, a realização é para mim, tudo bem que tem gente lá usando o ‘agenda fácil’, tem gente que tem remédio, mas é pelo senso de realização, onde você está inserido, aqui nesse ambiente, eu tenho consciência de que isso é uma oportunidade rara.

Uma pessoa fala assim – Ah me ensina o caminho das pedras! Eu falo – Não tem, cada pedra que eu pisei já afundou pelo caminho, não têm mais caminho das pedras. Cada um vai ter que criar o seu caminho, e eu sei que pode não durar porque tem que ter uma conjuntura favorável. É muito difícil trabalhar em setor público, para quem veio de uma história de IBM, uma história super ética. Na faculdade eu estudei corrupção política, lá na ciência política. Então, para você encontrar um ambiente no qual você consiga navegar, ter relevância e trabalhar de forma tranquila, com consciência limpa, não é simples. Eu encontrei aqui, estou aproveitando ao máximo, e pode ser que não dure, pode ser que em algum momento esse arranjo se desfaça, e eu vou voltar para fazer outra coisa da vida que depois eu conto, na próxima oportunidade.